O regime da reprodução e / ou retenção do Cartão de Cidadão à luz do RGPD
27/07/2021

Desde sempre que, as entidades públicas e/ou privadas, para prestar a maioria dos seus serviços, nos pedem uma cópia do nosso Cartão de Cidadão.
Mas será que é mesmo necessário, as entidades ficarem ou reterem o nosso documento identificativo?

A verdade é que este é um hábito entranhado na sociedade desde os tempos em que o nosso documento identificativo era o Bilhete de Identidade. Este sim seria o verdadeiro documento identificativo onde constava (para além do número de identificação civil), nome, fotografia, assinatura, filiação, naturalidade, residência (freguesia e concelho), data de nascimento, estado civil, altura e validade do documento – apenas e só documentos identificativos do titular.

Contudo, com o Cartão de Cidadão, à vista, temos outros dados, para além dos identificativos, tendo que ter outros cuidados. De acordo com o art. 2.º da Lei n.º 7/2007, de 05 fevereiro: “O cartão de cidadão é um documento autêntico que contém os dados de cada cidadão relevantes para a sua identificação e inclui o número de identificação civil, o número de identificação fiscal, o número de utente dos serviços de saúde e o número de identificação da segurança social.”

Se a principal questão, quando nos pedem uma cópia do Cartão do Cidadão é, justamente, para provar a identidade do seu titular, porque deveremos nós permitir o acesso aos restantes dados, os quais constam no Cartão de Cidadão?
Aliás, a Lei n.º 7/2007, de 05 fevereiro, com as suas atualizações, prescreve, no seu art. 5.º (Proibição de Retenção), o seguinte:
“1. A conferência de identidade que se mostre necessária a qualquer entidade pública ou privada não permite a retenção ou conservação do cartão de cidadão, salvo nos casos expressamente previstos na lei ou mediante decisão de autoridade judiciária.
2. É igualmente interdita a reprodução do cartão de cidadão em fotocópia ou qualquer outro meio sem consentimento do titular, salvo nos casos expressamente previstos na lei ou mediante decisão de autoridade judiciária.”

Ou seja, a Lei proíbe a reprodução do Cartão de Cidadão em fotocópia ou qualquer outro meio, como a digitalização, sem o consentimento do titular (salvo as exceções legais).

A Lei n.º 7/2007, de 05 fevereiro, quando refere que as entidades públicas ou privadas estão proibidas de reter ou conservar o documento identificativo para verificar a identidade do titular, elas deverão introduzir os dados no sistema informático, formulário ou plataforma, na presença do titular dos dados. Nem mesmo online é legítima a exigência, uma vez que o Cartão de Cidadão tem chip e código PIN, o qual permite fazer a identificação à distância.

Ora, no que reporta ao consentimento do titular dos dados, de acordo com a definição constante do art. 4.º n.º 11 do Regulamento Geral de Proteção de dados (RGPD) é: “uma manifestação de vontade, livre, específica, informada e explícita, pela qual o titular dos dados aceita, mediante declaração ou ato positivo inequívoco, que os dados pessoais que lhe dizem respeito sejam objeto de tratamento”.

Este conceito deve ser conjugado com vários outros preceitos do RGPD, bem como os considerandos, porém temos sempre que dar destaque aos arts. 6.º, 7.º, 8.º, 9.º e 22.º do RGPD.

Sejamos realistas, nestes casos, o consentimento para fornecer uma cópia ou reprodução por qualquer outra forma do Cartão de Cidadão é uma ficção. Pouco importa que o titular consinta formalmente, quando, na esmagadora maioria das vezes não tem hipótese de não o fazer sem incorrer em pesados riscos (os dados são pedidos por uma entidade pública para que um projeto prossiga, p.e.), ou o consentimento é necessário para aceder a bens e serviços indispensáveis, como o contrato de fornecimento de energia, p.e. Mas todos nós sabemos que a realidade é bastante diversa de todo o exposto, devendo tomar outra atitude perante a exigência do Cartão de Cidadão.

Em primeiro lugar, quando nos exigem a cópia do Cartão de Cidadão, devemos sempre relembrar que esse pedido é contrário à Lei, mas, se mesmo assim a exigência persistir, devemos questionar qual a Lei que identifica essa obrigatoriedade.

Na maior parte das situações não existirá qualquer argumento legal, estando assim aberto o caminho para exigir o Livro de Reclamações, fazer a denúncia ou apresentar queixa nas autoridades judiciais, sendo ao Instituto dos Registos e Notariado (IRN) quem cabe instaurar e instruir o processo de contraordenação, arrecadando o mesmo 40% das coimas como receita própria.

É certo e consabido (menos por quem nos exige a cópia do nosso Cartão de Cidadão), que o legislador quis acautelar os perigos existentes e cada vez mais atuais, do furto de identidade. É bastante fácil substituir a fotografia e assinar um contrato com os dados pessoais do verdadeiro titular, causando consequências imensuráveis até se apurar a responsabilidade criminal e não só.

Os perigos do furto de identidade são uma realidade cada vez mais presente no nosso dia-a-dia, devendo tomar as devidas medidas para nos salvaguardar, mas este tema fica para uma próxima vez.


Por: Mara Almeida Pereira, Legal & Compliance Security Auditor na Hardsecure

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